segunda-feira, 23 de novembro de 2009

CINEMA - A dolorosa luta pela sobrevivência



O cineasta José Eduardo Belmonte é um amante das artes e das ciências humanas. Em seus trabalhos como diretor, é possível captar, por exemplo, citações às obras do filósofo Nietzsche, como o niilismo desesperançoso visto em “Subterrâneos” (2003), “A Concepção” (2005) e “Meu Mundo em Perigo” (2007), seus longas anteriores.

Em “Se Nada Mais der Certo” (2008), o quarto, e melhor, projeto de Belmonte – em cartaz no Cinemark Vitória –, há uma clara citação aos trabalhos dos artistas plásticos Francis Bacon e Edward Hopper.

No drama, há a presença dos traços surrealistas e esteticamente desfocados de Bacon e Hopper, em opções narrativas que servem para que o realizador revele o cotidiano de uma classe média-baixa em decadência. Na tela, aparecem seres “tragados” pela espiral de violência e drogas, em uma São Paulo opressora, que dita as leis de sobrevivência para seus habitantes.

Sob as lentes angustiadas de Belmonte, em que a câmera é inquieta, sempre focalizando o rosto – e as dores – dos personagens, a platéia acompanha a luta pela sobrevivência de pessoas que nasceram para viver uma existência de perdas.

Na trama, o cotidiano de Leo (Cauã Reymond), um jornalista desempregado, desiludido e sem dinheiro para pagar as contas. Seu caminho se colide com o de pessoas problemáticas.

Há a dependente química (Luiza Mariani) que sofre de bulimia nervosa e precisa criar o filho; uma lésbica andrógina que trabalha para traficantes (Caroline Abras); um travesti (Milhem Cortaz) que luta para não perder seu espaço no submundo; e um taxista que sofre por ter visto o pai se suicidar e teme ter a mesma sorte (João Miguel).

Loucura

Embalados pela música de Jimi Hendrix, em especial “Little Wing” – o jornalista, o taxista e a mulher que tenta agir como homem (em um estado de negação sobre suas fragilidades físicas e emocionais) partem para o mundo dos pequenos furtos. O resultado, quase sempre, é negativo, o que faz com que suas vidas retornem ao estado de inércia.

Em “Se Nada Mais der Certo”, Belmonte constrói com maestria uma espécie de ópera do caos urbano. Tecnicamente complexo – destaque para os cortes secos, as elipses metafóricas e a fotografia granulada, que serve para compor um universo de pesadelo – o filme chama a atenção pela perfeita direção de atores.

Cauã Reymond mostra-se maduro no papel do homem que desce ao inferno para conseguir sobreviver, algo antes impensável para um ator limitado em termos dramáticos. O filme, porém, é das mulheres. Luiza Mariani e Caroline Abras compõem uma dupla em fina sintonia.

A primeira é frágil e vive em estado de loucura. A outra, representa a força masculina em um corpo feminino, com todas as complexidades freudianas que o papel pode sugerir. Curiosamente, a personagem de Caroline se chama Marcin, espécie de analogia para Diadorim, a famosa personagem travestida de homem de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa.


Gustavo Cheluje / A Gazeta (21/11/2009)

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